6 SONETOS
WALTER BENJAMIN
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-ALGO SOBRE-
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Sinopse Biográfica
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Walter Benjamin escreveu um ciclo de 73 sonetos entre 1915 e 1925, isto é, entre os seus 23 e 33 anos. Os poemas são dedicados ao seu amigo Friedrich C. Heinle, um poeta de 19 anos, e à companheira deste, Rika Seligson, que se tinha suicidado em 1914, pouco depois de começar a primeira guerra mundial, (...)
Os textos foram descobertos na Bibliothèque Nationale de Paris, em 1981, com outros manuscritos que Benjamin confiara a George Bataille, em 1940, pouco antes de, por sua vez, se suicidar, e que ali tinham sido depositados, (...)
Nesta sequência sobre a morte, em grande parte escrita durante os anos da guerra, depara-se-nos como uma rejeição da violência, levando à integração da morte no ato poético, “como normalidade”, (...)
O patético desta obra não está apenas em o autor não ter chegado a revê-la e a organizá-la definitivamente, por ventura reduzindo-a em extensão e aumentando-lhe desse modo a eficácia estética, pois há toda uma série de sonetos muito belos. Está também em ela ter ficado por mais de 60 anos sem ser conhecida, e portanto sem ter podido gerar qualquer espécie de influência ou discussão na produção literária do seu tempo. É nesse sentido que lhe chamo opus in absentia e para ela procurei,mais do que as traduções, as “aproximações que se seguem” Vasco Graça Moura.
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TIRA-ME AO TEMPO A QUE ESCAPASTE BRUSCO
Tira-me ao tempo a que escapaste brusco
Dá-me de dentro o que teu perto estende
Como a rosa vermelha ao lusco-fusco
Da frouxa ordem das cousas se desprende
Vera afeição e amarga voz ausência
Que sinto calmo e do rubro da boca
Crestada pela rubra incandescência
Com que o cabelo em sombra púrpura toca
A fronte aflita. E a imagem far-me-á falta
De cólera e louvor que me oferecias
No pisar nobre em que levavas a alta
Bandeira cujo signo me anuncias
Só porque em mim pões teu nome bendito
Sem imagens qual Amen aflito
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COMO O CORAL ALASTRA A SUA MORTE
Como o coral alastra a sua morte
A arder em árvore púrpura no seio
Do mar com a temente alma no seio
Dos braços rubros presa do mais forte
Com beijo amargo de ruína veio
A ameaça. Ela faz voto de sorte
Que acre tormento a tal mando suporte
E é-lhe paga final receio
Medida no festim desesperado
Na turvação lembra a doçura amena
Bebe o Lethes do tempo perturbado
Qual dando eternidade em mão serena
Dota a alma e a herança distribui
O ser simples de quem recusa flui.
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COMO É QUE A SOLIDÃO HEI-DE IR MEDINDO?
Como é que a solidão hei-de ir medindo?
Desse-me os golpes de uso inda esta dor
Um a um sua nudez a sobrepor
Que o ritmo sem nome a foi vestindo
Mas sofro agora o tempo nu saindo
Numa levada sem nenhum teor
Gasto caudal do meu rio interior
Nem chora o peito por mais gritos vindo
Quando é que é novo ano na amargura
Quando volto a chegar-me à desventura
Que me faz falta em ocos dias vis.
Ah quando é que arde escura em cores febris
À testa do ano como a vi na altura
Do agosto em chamas funda cicatriz?
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SE AO MUNDO PREDISSESSES TEU MORRER
Na morte a natureza ir-te-ia à frente
Se ao mundo predissesses teu morrer
Volvendo com mandado intransigente
No eterno esquecimento o próprio ser
O céu se rosaria docemente
Por do teu corpo a roupa em fim descer
Florestas tingiria o teu sofrer
De negro e a noite o mar barca silente
Luto sem nome com estrelas mede
A estela ao teu olhar no arco celeste
E a escuridão de espesso muro impede
Que a luz da nova primavera preste
A estação vê nos astros que pararam
As cisternas que a morte te espelharam.
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VIBRA O PASSADO EM TUDO QUE PALPITA
Vibra o passado em tudo que palpita
Qual dança em coração de bailarino
Ao regressar já mudo o violino
E há nuvens sobre o bosque em que transita
À paz dos seres a morte em seu contínuo
Crescer em ramos de coral incita
A bem da noite negra e infinita
Sem um raro instrumento é seu destino:
O ceptro dos eleitos que não cansam
O corpo que este tempo já não quebra
É como a cruz que os astros quando avançam
Sobre o sul traçam por medida e regra
Os deuses têm-no em suas mãos cativo
Risível é quem eles mandam vivo.
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A MÃO QUE A SEU AMIGO HESITA EM DAR-SE
Perguntaste se eu amo o meu amigo?
Como rompendo um demorado açude
Na tua voz quis hausto que transmude
Todo o cristal dos ímpetos consigo
Nesse meu choro enevoado abrigo
Pôs-me a palavra o peito em alaúde
Que uma doce pergunta tua ajude
No sim furtivo que eu levei comigo
Mas a meu lábio lento em confessar-se
Um mestre inda melhor o cunharia
A mão que a seu amigo hesita em dar-se
Ele a tomou o que mais firme a guia
Para que ao coração secreto amando
Ao mundo todo em rimas o vá dando.
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